venerdì 10 aprile 2009

Rubem Fonseca - Almoço na Serra no domingo de carnaval

Lydia Cristina - Arco de Bouganvilles

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Almoço na Serra no Domingo de Carnaval

Rubem Fonseca


Na subida da serra uma mulher pequena, de chap
èu de abas largas, fez sinal pedindo carona. Usava minissaia de cetim, bustiê de lantejoulas vermelhas, luvas brancas longas quase até o cotovelo. Parei o carro.

Vai subir? Voz de falsete. Dentes ruins. Batom vermelho brilhante. Tinha qualquer coisa numa das vistas, ligeiramente fechada e remelenta. Pestanas pintadas de r
ímel.

N
ão. Desculpe, eu disse acelerando o carro.

Se fosse uma
mulher eu a teria levado comigo. Vergonha de dar carona para um travesti? Medo do travesti? Ele era tão frágil mas eu tinha medo dele? Era isso? Ou eu me aborrecera por ele noã ser uma mulher e eu queria que o destino pusesse na minha frente uma mulher que me levasse para outro lugar que não aquele para onde eu estava indo?

Ao ver o muro de cerca viva senti um aperto no coraç
ão. Quando atravessei o portão de pedra comecei a chorar. Dei marcha -re e segui pela estrada. A última vez que eu havia chorado fora há tanto tempo que eu até tinha esquecido como era.

Voltei, agora podia olhar a casa sem sobressaltos. Aquelas
árvores estavam ali desde o início do mundo, e também os pássaros, os sapos, os esquilos e o lagarto preto de manchas amarelas que habitava a beira do rio.
A senhorita S
onia está na piscina, vou conduzi-lo até lá, disse o copeiro que me recebeu na varanda da casa.

N
ão preciso, sei o caminho.

Carros nas alamedas. O gramado e o jardim estavam bem cuidados. Havia caramanch
ões novos, cobertos de trepadeiras.

Parei a certa distáncia da piscina cercada de mesas cobertas por enormes guarda-sóis coloridos. As pessoas em trajes de banho deitavam-se em espreguiçadeiras, nadavam, conversavam, bebiam e comiam salgadinhos servidos por garçons de preto. "Apenas um grupo de amigos mais chegados", dissera Sonia. Eram umas cem pessoas.

Voc
ê que é o Zeca?, perguntou uma garota vestida com uma pequena tanga. Eu sou Suely, irmã da Sonia, ela est ãna piscina. Por que você não veste a sua roupa de banho?

Eu n
ão trouxe.

Suely segurou a minha mã
o. Vem que eu vou te arranjar um calção.

N
ão, eu não quero tomar banho de piscina.

Você está muito pàlido, com uma cor horrível.

N
ão quero, obrigado.

Quer beber alguma coisa?

N
ão obrigado. Me faz um favor? Chama Sonia pra mim.

Eu n
ão queria ser apresentado aquela gente, sorrir, apertar mãos.

Sonia veio correndo. Seu corpo queimado de sol parecia feito de cobre. Quis me beijar na boca, mas eu virei o rosto.

O que è? Está zangado?

N
ão. Vai botar o teu calção de banho. Eu não trouxe calção de banho.

Eu te arranjo um. A água da piscina está uma maravilha.

Eu n
ão quero tomar banho de piscina.

Voc
ê está branco demais. Destoante.

Destoante do que ou de quem?

De mim, por exemplo. S
onia riu, dentes muito brancos. Vem que eu quero te apresentar minha mãe e meu pai.

Depois.

Eles querem muito conhecer voc
ê.

Depois.

O que é que voc
Ê tem?

Nada. Tua casa
é bonita.

E voc
¿e ainda não viu tudo, este sítio é enorme. Está vendo lá adiante? Tem um bosque toã grande que a gente até se perde dentro dele. E do outro lado do rio tem um pomar com mais de mil árvores frutíferas. Só jabuticabeiras são mais de cem.

Surgiu ao nosso lado um homem de cal
ção de banho, segurando um copo. Ele colocou a mão com o copo no meu ombro e a outra mão no ombro de Sonia.

Ent
ão este é o jovem que está namorando a minha filha? Onde é que está o seu copo? Não está bebendo nada? E o seu calção?

Sem esperar resposta tocou com o copo frio no meu braço, sorriu e afastou-se. Adiante parou para falar com um ca
sal.

Eu estava morrendo de saudades, disse Sonia.

E o lagarto da beira do rio?

S
onia me olhou sem entender, por alguns segundos.

Ah! o lagarto. Papai mandou o caseiro matar, a mam
ãe morria de medo dele. Como é que você sabia que tinha um lagarto aqui?

Esta casa já foi minha, eu disse. Passei minha vida nela.

È mesmo? Que coisa mais engraçada. Nós compramos o sítio no ano passado.

Ent
ão foi de vocês que nós compramos?

Olhei seu rosto perfeito, saud
ável. Fizeram uma pulseirinha de relógio com a pele do lagarto?, perguntei.

Papai, vem c
á, que coisa mais engraçada.

O pai de S
onia parou de conversar com o casal e se aproximou de nós.

Voc
ê não está bebendo nada, meu rapaz? Não quer um drinque?

Papai, você sabia que esta casa j
á foi do Zeca?

N
ão, não sabia, disse o pai de Sonia, eu não cheguei a conhecer ninguém da sua família, toda a operação foi feita através de um corretor, logo que chegamos de São Paulo. Soube do que aconteceu com vocês. A vida é assim mesmo. Mas vejo que você suportou bem os golpes. Vá botar o seu calção, rapaz. Arranja um drinque para ele, Sonia.

Outro sorriso, nova retirada. O pai dela n
ão parava. Cem convidados.

Vocês fizeram uma pulseirinha com a pele do lagarto? ou uma sandália? ou foi uma carteira de notas para o papai banqu
eiro?
Meu bem, o que está
acontecendo com você? Nunca te vi assim.

Est
ávamos andando por dentro do bosque, indo na direção do rio. Sonia havia colocado um roupão sobre a roupa de banho. Paramos em frente á cachoeira. Tirei o roupão de Sonia e coloquei-o no chão.

Pena que voc
ê não esteja de calção, podíamos tomar um banho de cachoeira, disse Sonia aflita.

Deita, eu disse.

Não, meu bem, por favor.

Agarrei os ombros de S
onia e sacudi o seu corpo.

Por favor, voc
ê está me machucando. Obriguei-a a deitar-se. Arranquei o seu biquíni. Vira de costas, anda.

Voc
ê acha que é assim que um homem trata a mulher que ele ama?

Cala a boca, eu disse, agarrando-a com for
ça. Quando acabei, levantei-me e fui embora sem olhar para trás. Entrei no carro. Desci a serra velozmente. Queria ter coragem para jogar o carro num precipício e acabar com tudo. Mas apenas chorava. Duas vezes no mesmo dia! Que inferno estava acontecendo comigo?


Texto extraído do livro "O Cobrador", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1979, pág. 159.

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